Conto-vos o que segue a propósito de ter estado no último sábado na “1ª Mostra da Doçaria Conventual de Coimbra”, onde conheci algumas histórias e provei alguns sabores.
É de todos sabido que a tradição culinária portuguesa oferece ao mundo, para além de bacalhoadas, uma infinidade de doces, dos quais o pastelzinho de Belém talvez seja o mais famoso. Mas há dúzias e dúzias de pasteizinhos, de Santa Clara, de Tentúgal, enfim...
Por outro lado, ninguém ignora a religiosidade católica como marca do país, desde a própria lenda de fundação do reino no século XII, quando o próprio Cristo crucificado teria aparecido a Dom Afonso Henriques no campo de batalha de Ourique.
Pois juntemos essas peças: Em 1221, Dona Sancha, neta do 1° rei de Portugal, justamente D. Afonso Henriques, fundou aqui em Coimbra o Mosteiro de Santa Maria de Celas.
A verdade é que nessa época, nem todas as jovens recebidas pelo mosteiro tinham vocação monástica para a clausura (normalmente iam obrigadas pelas famílias quando se não lhe arrumava casamento, ou ainda para afastarem-nas de amores indesejáveis). Enfim, tais “monjas à força” encontravam um refúgio para suas horas de solidão justamente na cozinha do monastério, para onde levavam receitas de família que foram aperfeiçoadas com os anos dando origem a um patrimônio nacional imaterial. Tal aconteceu por todo o país, mas o Mosteiro de Celas, aqui em Coimbra guarda ainda outra característica.
Juntemos então uma terceira peça: a partir do século XVI a cidade é povoada pelos estudantes universitários, que passam a flertar com as monjas, ainda que por entre as grades do claustro. Estabelece-se então uma tradição culinário-cultural que marcaria a vida da cidade até 1834, quando foram extintas as ordens religiosas no país. Essa tradição consistia na realização de saraus – chamados de outeiros – nos quais as religiosas, por entre as grades, ditavam motes e aguardavam as glosas dos estudantes/poetas do outro lado. Se os versos devolvidos agradassem as freiras, estas pagavam aos estudantes com suas iguarias.
Não é difícil imaginar o quanto de galanteios e amores transitava por entre essas grades no vai-e-vem de doces e versos. Para se ter uma idéia, o próprio formato dos doces era, digamos, “sugestivo”; alguns com aspecto um tanto fálicos para povoar cozinhas monásticas.
Mas o doce típico de Coimbra é mesmo o “Manjar Branco”, que pelo seu formato “cônico”, por assim dizer, é também chamado de “maminhas de freira” (algo como as “tetas de nega” brasileiras).
A esse respeito, deixo-vos a singela quadrinha de Alberto Osório de Castro:
“O duplo manjar branco do seu seio,
Biquitos de um dourado de arrufada
Tinham mais mel e mais fino recheio
Que os pastéis de Tentúgal e a queijada”
Com efeito, é com açúcar – mas não apenas com ele – que se adoça a vida.
EM TEMPO: O Manjar Branco é feito a base de farinha de arroz, peito de frango cozido, leite, açúcar e casca de laranja.
É de todos sabido que a tradição culinária portuguesa oferece ao mundo, para além de bacalhoadas, uma infinidade de doces, dos quais o pastelzinho de Belém talvez seja o mais famoso. Mas há dúzias e dúzias de pasteizinhos, de Santa Clara, de Tentúgal, enfim...
Por outro lado, ninguém ignora a religiosidade católica como marca do país, desde a própria lenda de fundação do reino no século XII, quando o próprio Cristo crucificado teria aparecido a Dom Afonso Henriques no campo de batalha de Ourique.
Pois juntemos essas peças: Em 1221, Dona Sancha, neta do 1° rei de Portugal, justamente D. Afonso Henriques, fundou aqui em Coimbra o Mosteiro de Santa Maria de Celas.
A verdade é que nessa época, nem todas as jovens recebidas pelo mosteiro tinham vocação monástica para a clausura (normalmente iam obrigadas pelas famílias quando se não lhe arrumava casamento, ou ainda para afastarem-nas de amores indesejáveis). Enfim, tais “monjas à força” encontravam um refúgio para suas horas de solidão justamente na cozinha do monastério, para onde levavam receitas de família que foram aperfeiçoadas com os anos dando origem a um patrimônio nacional imaterial. Tal aconteceu por todo o país, mas o Mosteiro de Celas, aqui em Coimbra guarda ainda outra característica.
Juntemos então uma terceira peça: a partir do século XVI a cidade é povoada pelos estudantes universitários, que passam a flertar com as monjas, ainda que por entre as grades do claustro. Estabelece-se então uma tradição culinário-cultural que marcaria a vida da cidade até 1834, quando foram extintas as ordens religiosas no país. Essa tradição consistia na realização de saraus – chamados de outeiros – nos quais as religiosas, por entre as grades, ditavam motes e aguardavam as glosas dos estudantes/poetas do outro lado. Se os versos devolvidos agradassem as freiras, estas pagavam aos estudantes com suas iguarias.
Não é difícil imaginar o quanto de galanteios e amores transitava por entre essas grades no vai-e-vem de doces e versos. Para se ter uma idéia, o próprio formato dos doces era, digamos, “sugestivo”; alguns com aspecto um tanto fálicos para povoar cozinhas monásticas.
Mas o doce típico de Coimbra é mesmo o “Manjar Branco”, que pelo seu formato “cônico”, por assim dizer, é também chamado de “maminhas de freira” (algo como as “tetas de nega” brasileiras).
A esse respeito, deixo-vos a singela quadrinha de Alberto Osório de Castro:
“O duplo manjar branco do seu seio,
Biquitos de um dourado de arrufada
Tinham mais mel e mais fino recheio
Que os pastéis de Tentúgal e a queijada”
Com efeito, é com açúcar – mas não apenas com ele – que se adoça a vida.
EM TEMPO: O Manjar Branco é feito a base de farinha de arroz, peito de frango cozido, leite, açúcar e casca de laranja.
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