segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Da falência das humanidades

Luciana e eu sempre brincamos sobre que futuro escolher para o nosso filho (como se nos fosse dado esse direito): devemos formá-lo para ser uma pessoa consciente, justa, solidária ou – o oposto no nosso gracejo – para que ele tenha dinheiro e seja feliz? Noutros termos: ele deveria ser um humanista ou um tecnocrata?
Também costumamos – ainda brincando – quando somos tomados por certo senso de justiça (que a mais das vezes reflete em prejuízo financeiro para nossos bolsos) pôr a culpa em nossa “maldita formação humanista”. Não que as características de justiça, solidariedade e tolerância sejam prerrogativas dos que tem essa formação, longe disso... Mas é que é forte a impressão de que cada vez mais técnicos/tecnólogos/tecnocratas com formação secundária e visão obtusa, ganham rios de dinheiro – e, por conseguinte são felizes, em meio a nossa sociedade pautada pelo consumo – enquanto os professores, por exemplo, ainda que com anos a mais de estudos, chafurdam em dinheiros mínimos. Mas também quero dizer que a infelicidade que se contrapõe à felicidade dos que tem dinheiro não é só resultante da falta do dito, outrossim da visão de mundo que se pode descortinar com anos suplementares de estudo. Se nos for dada a faculdade de questionar a realidade, então, “adeus felicidade”, ao menos aquela mais inconseqüente, a que faz uso do dinheiro para se sustentar. (“Bem-aventurados os pobres de espírito...”, lembram-se? Acho que é Jesus).
Mas estou descambando para outras vias, levado pelo fluxo do pensamento. O início da conversa era apenas mote para expor um assunto, qual seja o da diminuição da procura pelos cursos de graduação em Letras. Agora mesmo, enquanto escrevo, deve estar se realizando o vestibular na “Faculdade Carlos Queiroz”, onde leciono. Ainda não sei quantos alunos entrarão para o curso de Letras (e tomara mesmo que o número desminta o que vou dizer), mas o que se tem observado nos últimos anos – e não somente nas instituições particulares – é um crescente desinteresse pelo curso e pelas humanidades em geral. E o caso de Portugal então, deixou-me boquiaberto; é ainda mais alarmante. Este ano letivo apenas oito portugueses ingressaram para 35 vagas oferecidas no curso de Letras da Universidade de Coimbra (em que pese toda a tradição, e até certa mítica histórica, de ser aluno da instituição). E apenas um desses oito tinha Letras como primeira opção. Os demais, acaso, acabarão mudando de curso.
Diz que o curso de Química daqui inverteu essa lógica apenas trocando o nome para “Engenharia Bioquímica” ou coisa do tipo. Os jovens não querem ser químicos (e serem associados àquele professor maluco de segundo grau), querem ser “Engenheiros”... Talvez fosse o caso de criarmos cursos de “Engenharia Lingüística” ou algo que o valha, com o direito mesmo dos recém-graduados serem chamados de Doutor, como os engenheiros diversos e os médicos e os bacharéis em Direito.
Também não vou tentar elencar as causas dessa falta de interesse – não cabe aqui – , mas por certo passam por essa falta de status profissional, baixa remuneração, ineficiência das políticas de incentivo à leitura, a própria tendência das economias de mercado que empurram os jovens para carreiras técnicas, enfim...
O que deixo para reflexão – porque sei que a maioria dos que me lêem agora são alunos ou amigos, quase todos ligados a área da educação – o que deixo como questionamento é: E você, o que quer para o futuro? Filhos ricos, felizes, porém autômatos (e sem qualquer apreço pelo autômato ao lado) ou filhos que pensem, e por isso mesmo sofram e, no entanto, como conseqüência, vivam humanamente?